“Desde os primeiros tempos, e sempre assim continuará a
suceder, alguns cristãos foram chamados a dar este máximo testemunho de amor
diante de todos, e especialmente perante os perseguidores. Por esta razão, o
martírio, pelo qual o discípulo se torna semelhante ao mestre, que livremente
aceitou a morte para salvação do mundo, e a Ele se conforma no derramamento do
sangue, é considerado pela Igreja como um dom insigne e prova suprema de amor.”
LG 42
Como o próprio trecho da Lumen Gentium assinalou, desde os
primeiros tempos os cristãos sofreram perseguições. Assim foi no período mais clássico,
até 313 d.C., ano em que o Imperador Romano Constantino reconhecia, com o Edito
de Milão, a liberdade de culto à religião cristã; posteriormente houveram
outros períodos conturbados na história de perseguição aos cristãos, como a
Revolução Francesa e entre outras revoluções e regimes ditatoriais/totalitários
que existiram. Também os cenários missionários na África, na América e na Ásia
foram (e em alguns lugares, continuam a ser) palco do martírio de inúmeros cristãos.
Um
desses acontecimentos na história iniciou-se em 18 de julho de 1936, quando estourou
a Guerra Civil Espanhola, que durou até 1939. Comandando o exército espanhol, o
general Francisco Franco tentou um golpe de estado contra o governo
democrático. Sendo mal sucedido, a Espanha dividiu-se entre falangistas e
republicanos. Foi então um período dramático e sangrento, de antagonismos
ideológicos, transformando-se num embate entre fascismo e democracia que
provocou muitas mortes e destruição. Também a Igreja espanhola sofreu uma
violenta perseguição, e foram presos e assassinados inúmeros sacerdotes,
religiosos, religiosas e leigos, simplesmente por serem cristãos.
Entre
tantas pessoas massacradas, estão incluídos 95 membros da Família Salesiana.
Para o processo de causa de martírio foram divididos em três grupos, que depois
se reduziu a dois: José Calasanz e 31 companheiros, da cidade de Valencia; e
Pe. Henrique Saiz Aparicio e 62 companheiros, das cidades de Sevilha e Madri.
No geral são 39 sacerdotes, 22 clérigos, 24 coadjutores, 2 Filhas de Maria
Auxiliadora, 4 salesianos cooperadores, 2 aspirantes salesianos e 1 colaborador
leigo.
O
grupo de Valencia foi beatificado em 11 de março de 2001, pelo Papa João Paulo
II, dentro de um grupo de 233 mártires. Os grupos de Sevilha e Madri foram
beatificados no dia 28 de outubro de 2007, pelo Papa Bento XVI, dentro de um
grupo de 498 mártires. Inúmeras pessoas, homens e mulheres, de diferentes idades
e vocação, e que tiveram a coragem de testemunhar sua fé em Jesus Cristo e na
Igreja. Morreram unicamente por motivos religiosos. Um grupo numeroso, mas que
não anula as características e o testemunho de cada indivíduo, tendo cada um
seu nome e sua história. Ao contrário, o número elevado mostra o valor e
importância da comunidade cristã, da unidade, e revela também o chamado
universal a santidade. Não foi só ‘esse’ ou ‘aquele’, mas um grupo que
testemunhou a sua fé juntos. E todos eles, segundo o que consta nos processos
canônicos para a declaração como mártires, antes de morrer perdoaram os seus
executores.
Dom
Bosco em sua época já não descartava o martírio, sobre tudo em relação com as
missões ad gentes. Por isso, quando
projetava com os salesianos o método que deveriam seguir nas missões em terras distantes,
se atreveu a pedir-lhes a máxima generosidade: “Se o Senhor em sua Providência
– dizia – dispusesse que algum de nós sofresse o martírio, teríamos que nos
amedrontar por isso?”. (MB, 21). Antes deste caso na Espanha, houve um caso na
China e outro na Polônia. O martírio também faz parte da Santidade Salesiana.
Como
estão com os nomes levados a frente, vejamos brevemente um pouco da vida do Pe.
José Calasanz e do Pe. Henrique Saiz Aparicio:
Calasanz: nasceu em Azanuy, na província de
Huesca (Espanha) aos 23 de novembro de 1872, de uma família de lavradores.
Perdeu o pai aos dez anos e aos onze, a sua mãe. Foi morar com a tia em
Barcelona, que servia na casa de uma família de cooperadores salesianos que
pagaram os estudos do menino. Conheceu Dom Bosco pessoalmente quando estudava
no colégio de Sarria, no ano de 1886. Foi encaminhando-se para a vida salesiana
e sacerdotal, tornando-se salesiano em 1890 e cinco anos depois, sacerdote. Foi
secretário do Pe. Felipe Rinaldi, que hoje também é beato, e foi missionário
das terras de Cuba, Peru e Bolívia. Homem trabalhador, educado, humilde,
enérgico e de grande espírito de serviço. Voltou a Barcelona em 1925, como
superior provincial, e em julho de 1936 estava pregando exercícios espirituais
na casa salesiana de Valencia. Quando a guerra eclodiu, a casa foi invadida e
eles foram levados ao cárcere; de lá escreveu para o Reitor-Mor, na época, Pe.
Pedro Ricaldone: “Eu não sei o tempo que temos aqui: Deus sabe se vai se
prolongar por uns dias ou por semanas; e sei muito menos se a morte espera-nos.
Mas a nossa confiança está posta em Deus e na proteção de Maria Auxiliadora e
de nosso pai Dom Bosco. Tão pouco duvidamos de sua bênção e das orações do
senhor e demais superiores e irmãos”. Aos irmãos que junto a ele viviam tais
dificuldades, dizia: “Há que ter confiança na Divina Providência. E se nos
matam, nos voltaremos a ver no Céu.”. Pe. Calasanz foi morto com um tiro de
fuzil na cabeça enquanto estava em uma camionete, sendo levado junto com outros
salesianos, pelos milicianos.
Henrique Saiz
Aparicio: nasceu em Ubierna, na província de
Burgos (Espanha) em 01 de dezembro de 1889. Professou como salesiano em 1909, e
tornou-se sacerdote em 1918. Desde 1934 estava em Carabanchel Alto, periferia
de Madri, como diretor do aspirantado. Em 1936 o instituto também foi invadido
pelos milicianos. Prontamente o Pe. Henrique disse: “Se vocês querem sangue,
aqui estou eu. Mas não façam mal aos meninos”. Os jovens foram libertados,
enquanto Pe. Henrique e oito salesianos foram presos e posteriormente, mortos. Enquanto
estavam no cárcere, ele procurou dirigir, aconselhar e acompanhar os irmãos que
estavam com ele. Dizia: “temos que nos preparar, pois nosso martírio é
certíssimo”. E antes de morrer, confiou a um amigo: “Que há de melhor do que
morrer para a glória de Deus?”. Ofereceu a vida aos jovens que lhe haviam sido
confiados pela Divina Providência.
Com o belo
testemunho destes nossos irmãos na fé, que possamos também refletir sobre a
nossa vida. Qual tem sido nosso testemunho de cristãos na sociedade? No dia a
dia também somos chamados ao martírio, talvez não a esse vermelho dos mártires
da Espanha, mas um martírio branco, daquele desgastar-se dia a dia pela causa
do Reino de Deus, testemunhar Jesus Cristo nos diversos ambientes em que
estamos inseridos, ainda que nas adversidades. Que a exemplo e sob o impulso do
testemunho dos mártires da Espanha, que hoje a Igreja e a Família Salesiana nos
colocam como modelo, e ajudados pela Virgem Maria, possamos buscar cada dia
mais uma maior vivência da nossa essência cristã.
Salesiano da Inspetoria Nossa Senhora Auxiliadora (São Paulo). Hoje vive em Lorena como pós-noviço (II ano).
Referências: http://www.sdb.org/
http://www.infoans.org/
http://vatican.va
COVOLO, Enrico Dal; MOCCI, Giorgio. Santos
na Família Salesiana. São Paulo: Editora Salesiana, 2008.
ALBERDI, Ramón. Los
Mártires Salesianos de Valencia y Barcelona (1936-1938). Madrid: Editora CCS, 2001.
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